Horizonte silencioso
Não conheci Maria Lúcia Medeiros, nunca fomos apresentadas, e se fomos, no máximo, o mínimo de amigas, apenas o laço de escribas, um olhar pelo lado numa das feiras de livros, mandei alguém entregar-lhe um livro meu, ela agradeceu longinquamente, mais algo comum que tínhamos, a timidez, maldita timidez, jamais fomos apresentadas, jamais tive coragem de dar um passo qualquer ou dar-lhe um sorriso.
Mas ganhei de presente “Horizonte silencioso” de aniversário, e no mesmo dia li, encontro raro este, pude sentir a profundidade de seu trabalho, no dia em que a vi, gostaria de ter conversado sobre ele, sobre seus personagens, sobre sua vida, sobre seu lirismo maduro, sua maneira silenciosa de sentir as coisas, numa quase sutil definição de intimidade com as minúcias, um quase passado na memória, frias noites, dias quentes, tranqüilidade, a felicidade impressa em papéis guardados.
Mas não consegui, “o medo de morrer fazia-lhe procurar a mãe, mirá-la enquanto ela varria as folhas secas do quintal, beber-lhe o espírito calmo, tolerante, armazenar serenidade para atravessar as dificuldades”, parece-me sempre que Maria Lúcia fora calma em sua vida, uma impressão que não me abandonará nunca, talvez tenha lido apenas uma impressão, talvez queira buscar algo mais além do que posso, por não tê-la conhecido, recortes de seus recortes, retratos de suas imagens recolhidas daquele dia em que quase a interceptei com minha curiosidade, vontade tardia que o tempo implacável apagará, mas sua magia não, suas palavras estarão além desse instante estúpido em que não arrisquei, um horizonte silencioso feito de destino.
Agora vejo que minhas palavras estão frias, porque perdemos alguém muito importante, “tua noite inacessível. Teus braços abertos”, “...e assim olhavas pela derradeira vez as portas do Paraíso e então sonhavas...” . para Maria Lúcia, onde estiver,
Josette Lassance
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